sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

CENÁRIO ECONÔMICO PARA 2021: entrevista ao jornalista Olavo Dutra, em 31.12.2020

Olavo Dutra: O ano 2020 chega ao fim e, exceto por alguns fatores, não deverá deixar saudades. O que esperar do Ano Novo, quais as expectativas para a economia brasileira? 

 
Mário Ramos Ribeiro: É verdade, o ano termina cronologicamente dia 31, mas, em termos econômicos, acho que deve se estender durante os seis primeiros meses de 2021. 

 
Olavo Dutra: Por quê? 

 
Mário Ramos Ribeiro: Porque foi um ano atípico e essa atipicidade que foi o surgimento da pandemia, a explosão de gastos e as transferências que a União foi forçada a fazer – auxílio emergencial, auxílio a Estados e municípios, renegociação de dívidas dos estados, as alterações no Plano Mansueto, a forte incerteza pelas dificuldades de convergência de interesses, etc. – deixam cicatrizes profundas na economia. E as soluções desses problemas ainda deverão ser resolvidas, ou não, até o final do primeiro semestre de 2021. O Brasil foi o país da América Latina que mais gastou por conta da pandemia, alguma coisa em torno de 11% a 12% do PIB, cerca de R$ 800 bilhões. Isso alterou o espaço fiscal completamente e vai tornar 2021 um ano sob forte emoção. Para a política econômica muita emoção é ruim. 

 
Olavo Dutra: Mas a dívida não é negócio a ser pago bem lá na frente? Por que poderia atrapalhar o País no primeiro semestre? 

 
Mário Ramos Ribeiro: A dívida mobiliária interna federal você rola na medida em que os papéis vão vencendo, isso é normal nas dívidas mobiliárias nacionais no mundo inteiro. O problema é que, primeiro: a dívida deve ficar em torno de 90% do PIB ao final de 2020, o que é um valor extremamente alto para um país sensível ao risco cambial e à inflação crônica como o Brasil. Os americanos, por exemplo, vão ter mais ou menos a mesma coisa, 92% a 95% do PIB de dívida pública, mas isso é diferente lá, pois não há problema de sensibilidade do câmbio, nem memória inflacionária. Segundo: o risco americano é visto sempre como muito baixo pelos investidores no mundo inteiro. Mesmo em dificuldade eles conseguem se financiar, e atrair capital. Isso aconteceu com a crise 2007-2009, que se iniciou nos Estados Unidos: eles conseguiram se financiar ancorados no fenômeno chamado de “excesso de poupança” (global savings glut)dos países emergentes inclusive aí a China, que procuraram refúgio em ativos tidos como seguros, investindo em papéis americanos. No caso do Brasil, temos memória muito forte da inflação e uma tremenda sensibilidade do câmbio. Quando você verifica que o governo vai precisar de recursos, que não são sequer para investimento, mas para consumo do governo, custeio, despesas correntes, pagamento de salários e de pensão, enfim, que não haverá investimento produtivo, que já estamos violando a chamada “regra de ouro”, quer dizer, que não estamos nos endividando para fazer frente a investimentos, isso cria excesso de risco, e aí vem o fenômeno de “empinar a estrutura a termo da taxa de juros”.  Isso significa que mesmo com a Selic hoje em 2% ao ano, em termos nominais, o governo vai ter de pagar 6% a 7%ao ano para conseguir financiamento dependendo do prazo, e esses custos já começam a aparecer. Hoje a dívida está maior, mais curta. O governo está tendo de trocar juros por liquidez, dadas as atuais circunstâncias. São os sintomas de fragilidade nos fundamentos da macroeconomia. 

 
Olavo Dutra: Quais seriam esses sintomas? 

 
Mário Ramos Ribeiro: Basicamente os sintomas de risco fiscal, o risco de que o governo tenha dificuldade de rolar a dívida. Para você ter uma ideia: já no primeiro semestre devem vencer, mais ou menos, R$ 600 bilhões da dívida, cerca de 60% disso até abril. Então, esses vencimentos, em situação normal, o governo simplesmente rolaria, e com os juros americanos permanecendo baixos, dificilmente o investidor externo iria deixar de investir no Brasil, porque os juros lá estariam ainda muito baixos, praticamente iguais a zero e isso permitiria à União rolar as dívidas vincendas. Mas se as taxas de juros começarem a subir, uma vez que o presidente eleito Joe Biden promete mais gastos públicos (os americanos estão com déficit fiscal de US$ 3 trilhões há um ano e agora ao final de 2020 devem registrar uma dívida de 98% a 102% do PIB), pode haver dificuldade de liquidez no nosso mercado se os juros americanos começarem a subir, com menor fluxo da capital externo para o Brasil. Como muitos investidores já estão antecipando essas dificuldades (com essa corrida para as bolsas de valores que você está vendo), isso significa fugir dos títulos de renda fixa, vinculados, próximos ou ancorados à taxa Selic, não por uma perspectiva de crescimento sustentável no Brasil, nem por uma euforia de crescimento, não estamos numa "exuberância irracional" (expressão cunhada pelo prêmio Nobel Robert Shiller), mas apenas por instinto de defesa. Aí começa a corrida em busca do ativo seguro, investimentos migram do título público para a bolsa de valores ou para o dólar, que ficará oscilando em torno de R$5,50 no primeiro semestre. Isso é uma acusação de que o risco fiscal está elevado. Resumindo: a curva de juros está muito inclinada, o que significa que, para emprestar ao governo federal o mercado financeiro exige, além da taxa Selic, um plus, uma compensação: começam a “salgar” a dívida do governo federal colocando um prêmio, elevando os juros, e investem por um curto período em ativos da bolsa de valores e isso afeta o dólar. Em 2020 a poupança ficou muito elevada, provocando excesso de liquidez aqui e no mundo todo, um resultado da incerteza e necessidade de precaução geradas pela pandemia. A verdade é que há receio de se fazer investimentos, tanto para o capital externo quanto para o nacional. 

 
Olavo Dutra: Esse excesso de liquidez é mundial ou é uma coisa mais localizada no Brasil? 

 
Mário Ramos Ribeiro: É mundial. Nos Estados Unidos e na Zona do Euro já se começa a desenvolver um debate sobre como lidar com isso, nos Estados Unidos e na Europa. O excesso de liquidez está praticamente em todos os países, inclusive nos países emergentes. Todas as vezes que você enfrenta uma situação de risco você corre para a moeda. Veja o caso da transferência do auxílio emergencial para 2021, e agora, a aprovação do PL-101, na Câmara, um alívio de R$ 217 bilhões para os estados, a indefinição sobre um novo auxílio emergencial, a possibilidade de a Câmara aumentar os benefícios aos municípios, no final do ano, ou começo de 2021, tudo isso afeta as expectativas do mercado, ou seja, nós todos, nós somos os mercado. As empresas do setor real, do setor financeiro e os consumidores ficam nervosas, as famílias da classe média ou de classe mais alta estão retendo recursos nesse momento e não querem investir, querem uma poupança preventiva diante da incerteza do futuro. 

 
Olavo Dutra: Mas as mudanças no início do 2021, com novas lideranças no Congresso, novos prefeitos, não irão facilitar o diálogo entre a Presidência e os governadores? 

 
Mário Ramos Ribeiro: Olha, é possível. Vamos torcer para que isso aconteça. Eu uso uma regra de bolso quando faço cenários macroeconômicos: se a economia política vai bem, isto é, se o concerto de valores que a sociedade tem está ajustado e em equilíbrio, há possibilidade de diálogo entre interesses políticos e econômicos. Existe uma grande chance de a política econômica, se for boa, se for correta, poder acertar. Mas quando a economia política vai mal, isto é, quando ela está como estamos hoje, absolutamente separados e polarizados – o País está dividido desde a época do “Nós e Eles” do Lula e continua dividido –, mesmo uma boa política econômica pode não dar certo, o risco de não dar certo é muito grande e provavelmente a política econômica fracassará. Você viu a dificuldade que aconteceu agora em torno de uma causa boa e comum, a questão da pandemia, a enorme dificuldade de conversa consensual que se teve para fazer acordos e de prosseguir sem causar um custo social muito grande. Porque é necessário ajudar a população, mas não a um custo social que destrua a própria população. Falta foco no uso dos recursos fiscais em quase todos os estados e municípios. O foco tem de ser na saúde, não em política de elevação de demanda efetiva. Se você se endividar demais você perde espaço fiscal não apenas para hoje, mas também para outra contingência, para outra circunstância futura, como por exemplo, um agravamento da pandemia que possa vir a acontecer ao longo de 2021.E a perda do espaço fiscal é o encurtamento do perfil da dívida e sua elevação para além do que é visto como razoável. É algo ligado à formação de expectativas em decorrências de fatos objetivos. A União não vai conseguir botar no mercado papel de dez anos, papel de cinco anos, talvez consiga botar papel de três anos. E as medidas do Banco Central para controlar a liquidez, as chamadas operações compromissadas, em que o Bacen entra no mercado vendendo ou comprando títulos do governo para administrar a liquidez começam a se intensificar. Essas operações cresceram muito no último semestre e remetem invariavelmente à elevação da taxa de juros no futuro, e depreciação do real, o que o mercado é o primeiro a perceber. Os juros de longo prazo elevados afetam o dia de hoje da economia. É a maldição da incerteza quanto à política econômica: todo o horizonte de cálculo de consenso da economia, de hoje até o amanhã, fica comprometido e aí as ineficiências alocativas explodem e ficamos voando como galinhas. 

 
Olavo Dutra: Quer dizer que a dívida pode ficar mais cara? 

 

Mário Ramos Ribeiro: Sim, a emissão de dívida pública federal mobiliária, aquela que é em títulos públicos para financiar gastos públicos cresce. Quando ela cresce nessa velocidade, ainda que tenha sido por uma boa causa, isso gera um instinto de defesa nos compradores. Não é só o medo da pandemia, é o medo de a economia não gerar a capacidade de ter recursos para sustentar a situação do País. E isso se traduz em elevação dos juros, e o cachorro começa a correr atrás do próprio rabo, porque você eleva e encarece a dívida, o serviço da dívida fica maior, isso deprecia o câmbio, que por sua vez afeta os preços via o passthrough cambial para alguns preços nacionais, as expectativas se deterioram, aí os preços começam a subir, a inflação começa a rondar o ambiente, então começa tudo outra vez: mais dívida, juros mais altos, aumenta a liquidez etc., o cachorro enlouquece atrás do próprio rabo!    

 

Olavo Dutra: Então os bancos são os vilões? Muita gente que sim. 

 
Mário Ramos Ribeiro: Nesse caso não. A elevação da dívida é que produz a transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos no setor privado, como os bancos estão na intermediação financeira, e o governo quer mais dinheiro emprestado, eles captam recursos de terceiros e emprestam. Esse é o papel da intermediação financeira. A dívida elevada aumentou os juros, elevou o risco do crédito bancário, ninguém tem dúvida e aí se faz a escolha normal: vamos emprestar para o governo federal que é menos arriscado. A hipertrofia do setor bancário é provocada pela dívida pública. Bancos e instituições financeiras não bancárias agora enriquecem com a dívida pública, querendo emprestar menos às famílias e às empresas, porque eles são devedores com maior risco idiossincrático, e assim a fazer investimentos com menos risco, quer dizer, emprestar ao governo que é, por enquanto pelo menos, quem ainda tem menor risco. 

 
Olavo Dutra: Então, o problema está na economia política? 

 
Mário Ramos Ribeiro: Sim, basicamente na economia política. O Brasil ainda não superou os problemas da economia política que surgiram com aquela história do “Nós e Eles”; pelo contrário, esse sentimento agravou-se e isso torna a situação muito difícil. O déficit fiscal estrutural começou a se deteriorar a partir de 2006. Quando a gente pega o déficit e retira as chamadas receitas extraordinárias e as chamadas despesas extraordinárias e calcula o déficit estrutural, como dois colegas economistas do IBRE-FGV demonstraram em setembro de 2020 (Samuel Pessôa e Vilma da Conceição Pinto), percebe-se claramente que o resultado primário estrutural começa a cair em 2006 e quando entra o primeiro governo Dilma ele começa a ficar negativo. Fica acelerando o déficit de 2011 até 2015, e só começa a desacelerar (mas ainda negativo) de 2016 e até 2018 e daí em diante a necessidade de mais endividamento torna-se crescente em decorrência de problemas políticos e com a pandemia. Note-se que quando chegamos em 2019, a situação fiscal da União, Estados e municípios já estava bastante complicada e o ambiente de negócios rapidamente deteriorado. Então, não dá para esperar muito da política econômica quando as coisas estão assim. Na polarização, cada um vê o que quer e isso dificulta a execução da política econômica. Essa é outra maldição: a maldição da polarização, é o flagelo da desunião, agravado pela ausência de solidariedade e sem perspectivas de união em torno de um projeto de salvação nacional. 

 
Olavo Dutra: E a questão da Amazônia? 

 
Mário Ramos Ribeiro: Bom, nós da Amazônia estamos nesse mesmo barco, no mesmo rio. A questão da Amazônia precisa ser definida. Li que vice-presidente Hamilton Mourão tem um programa de fomento, de desenvolvimento verde para a região, em um documento de cerca de 30 páginas, mas não sei se isso já virou projeto. Espero sinceramente que sim. De qualquer forma, esse não é um gerado só pelo atual governo. Desde o Acordo de Kyoto, e passando por pelo Acordo de Paris, o programa de crescimento amigável com o problema climático deveria, pelo o que está escrito nos acordos internacionais desde lá, ter sido financiado pelos países ricos, o que nunca aconteceu. Em Katowice (Polônia), a China levantou essa questão, de que os ricos estavam inadimplentes porque não financiaram o desenvolvimento verde, conforme previsto para os povos mais vulneráveis, incluindo a Amazônia, mas os países ricos não quiseram conversar. Na reunião do Chile, transferida para Madrid em dezembro de 2019 o assunto voltou ao debate, mas a solução da questão do financiamento para os países em desenvolvimento não avançou e continua fora de discussão até hoje. Não se sabe o que ocorrerá em Glasgow na Escócia, cuja reunião foi transferida para 2021 em função da pandemia. Assim, a pauta Amazônia segue indefinida, como indefinida está toda a economia do Brasil e do mundo. Na forma do texto dos acordos os países ricos deram o calote no combate à mudança climática, eles ficaram inadimplentes quanto ao financiamento dos principais pilares da Convenção Quadro de 1992.  

 
 

  

 
 

  
 

domingo, 26 de janeiro de 2020

As perspectivas para a economia brasileira em 2020

       As perspectivas da economia brasileira para 2020 já estão dadas desde os anos de 2017, 2018 e 2019. Mas o ano de mudanças importantes, em termos de política econômica, certamente foi o último, sobretudo com a agenda de alterações colocada pela reforma da Previdência Social e a tentativa mais forte que já foi feita no Brasil, até agora, de se enfrentar o desajuste fiscal. Verdade seja dita, a situação brasileira de dispêndio público era tão precária até 2019, que não se limitava ao governo federal, abrangendo também estados e municípios.

Daí, então, a necessidade de se apontar a primeira grande vitória da política econômica da gestão Bolsonaro; vitória essa obtida no ano inaugural de mandato e de efeitos imediatos para 2020 – qual seja: a redução de pagamentos de juros da dívida pública. Ora, tal pagamento custava, anualmente, 100 bilhões de dólares, que eram transferidos ao setor privado. Rentismo puro!

Hoje, com a queda da taxa Selic para 4,5% (antes, 15% no governo Dilma) e com as operações da recompra de parte do estoque da dívida, houve uma economia de aproximadamente 25 bilhões de dólares, o que significa 100 bilhões de reais.       

A queda do custo da dívida, a qual não estava induzindo nenhum tipo de crescimento e, ao contrário, foi responsável pelas quedas nas expectativas dos principais atores da economia brasileira, como investidores, empresários e trabalhadores, precisava ser revertida imediatamente. Precisávamos ter um choque de expectativas positivas. Esse choque foi dado no final do ano, quando, em novembro – finalmente – foi feita a promulgação da Lei da Nova Previdência.

Sinais menores de melhora, no entanto, também foram dados em 2019, com uma série de medidas. Como exemplo, podemos citar o início do programa de desestatização e os programas de melhora do ambiente de negócios, com destaque para a Lei de Liberdade Econômica, para o combate à corrupção e para a Lei do FGTS, que deixou de onerar o trabalhador.

O ano de 2020 é, portanto, um ano de trabalho em que as reformas precisam continuar. Se o Brasil conseguir crescer em 2020 em torno de 2,5%, em termos reais, teremos uma vantagem enorme em relação ao passado, uma vez que as expectativas tendem a se confirmar quando é verificado que há um aumento da confiança por parte do consumidor, das empresas, dos empreendimentos em construção civil, do crédito imobiliário e, é claro, do crédito privado em geral. Estes são indicadores de que quem estava nocauteado, conseguiu se levantar, está respirando, e pode voltar para lutar no próximo round.

 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Barbosa no ovo da serpente

O novo Ministro da Fazenda vai ter de andar num fio descascado ao longo deste 2016 que, ao que tudo indica, promete ser um ano pleno de emoções. Tempo de eleições, de gastos, de propaganda, de marqueteiros, a lista é grande. Com baixa credibilidade para qualificar os seus candidatos, o governo federal receberá uma pressão “adicional” à sua já natural propensão para gastar, com a finalidade de esquentar o pleito, elevando o seu dispêndio, o que, mais uma vez, será justificado “em nome do combate a crise” – que ele mesmo fabricou em 2010-2015, quando lançou mão do expediente de gastar sem autorização orçamentária.

Repete-se com Barbosa, a velha história do escorpião e o sapo: o escorpião mata o sapo quando atravessa a lagoa nas costas dele, mesmo sabendo que se matasse o sapo iria afundar junto com ele, simplesmente porque esta é a única coisa um escorpião sabe fazer: matar. Uma vez escorpião sempre escorpião. Uma vez populista, sempre populista!

A nossa crise é inusitada pela conjugação do mal, onde corrupção sistêmica + incompetência técnica + uso e abuso do viés populista = crise na economia política! Portanto, é necessário focar mais em cima e discutir a “deontologia da política econômica”, isto é, a “economia política”, a visão de mundo e o conjunto de valores que integram a reinante ética do “vou me dar bem” – o mais importante legado do lulopetismo para o povo brasileiro, e qualidade ímpar do grupo político que tomou o poder.

Portanto, é bom não sermos ingênuos: precisamos levantar os olhos um pouco para obter senso de perspectiva. Ao se rediscutir a “deontologia da política econômica”, como tantas defendeu o economista James M. Buchanan, laureado com o Nobel em 1986, é que chegaremos ao ovo da serpente. A palavra “deontologia” – escreveu Buchanan - foi usada na economia pela primeira vez, em 1826, por Jeremy Bentham (filósofo, jurista e economista) no seu livro “Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação”, e depois, postumamente e com mais acuidade, em “Deontologia, ou a Ciência da Moral” (1934), em 2 vols. Para Bentham, a deontologia era uma “ética normativa, para a vida prática”. A economia e o direito deveriam se preocupar inicialmente com as “regras do jogo” (instituições) que emolduravam a economia no dia a dia de cada pessoa. Se “as regras do jogo” albergassem a preocupação como o “dever”, com o “justo”, com o “conhecimento do que é certo e próprio”, a economia e o direito conduziriam a um bem-estar superior. A melhor garantia para tanto seria o trabalho na hora de criar as instituições, que é exatamente o momento onde os incentivos de recompensa e de sanção são inscritos. As instituições oferecem e garantem a estrutura de incentivos que dará credibilidade e previsibilidade à política econômica.

Estes ensinamentos permaneceram praticamente ignorados pelos economistas até que James M. Buchanan desse início ao estudo da “economia constitucional” (ou “Nova Economia Política”) nos anos sessenta. A palavra “constitucional”, alertava então o ilustre economista, referia-se “às regras do jogo” ou “instituições” que, escritas ou não, condicionariam e conduziriam a operacionalidade da política econômica. A deontologia da economia política garantiria o ótimo duradouro da política econômica.

Podemos assim estabelecer os dois níveis de análise e de ação fundamentais da Economia Constitucional: a) primeiro nível: a economia política; b) segundo nível: a política econômica. A interação permanente ao longo do tempo entre estes dois níveis é que qualificará o resultado. Uma boa economia política – necessariamente alicerçada na deontologia - gera regras do jogo saudáveis. Estas são aquelas que limitam o poder discricionário dos governantes, que “despersonalizam a política econômica”, e que “fiscalizam, controlam e monitoram a gestão pública antes, durante e depois do exercício do mandato do governante”. Elas reduzem a incerteza, minimizam a insegurança jurídica e ampliam o horizonte de planejamento, sem o que o espírito anímico (o “animal spirits” de Keynes) dos empreendedores não pode deslanchar. Se as regras forem boas, a política econômica pode até prosperar (note-se: não existe garantia absoluta para a prosperidade). Se estas forem más, não cooperativas, personalistas, idiossincráticas e indutoras de conflitos insolúveis, muito pouco pode ser feito e a política econômica tende ao fracasso (note-se mais uma vez: existe garantia absoluta para o erro). Assim entendido – e de forma concreta para o Brasil de hoje - a conclusão soa bem natural: se por acaso houver algum acerto no combate a estagflação, neste ambiente de decomposição institucional que avança para dentro dos próximos anos, este sempre será transitório, efêmero. Alguém duvida que o poder incumbente cuidará de “fazer o diabo” (sic) mais uma vez?

É imperativo que Buchanan e a sua “economia constitucional” sejam revisitados por todos nós economistas brasileiros, pois todo o seu trabalho ao longo da vida foi mostrar a importância “de se levantar os olhos para as regras do jogo” e insistir no fato de que normalmente os economistas não se preocupam em participar da elaboração das “regras do jogo”. Para a maioria dos economistas esse trabalho “é um dado” e deve ser deixado para os advogados e políticos.

Não se trata de desmerecer a razão técnica - que é substancialmente tão importante quanto a deontologia (a boa economia política). É exatamente o contrário: pretende-se fortalecê-la, protegê-la dos desvios de condutas pessoais e do personalismo. Fortalecê-la para não permitir que “grupos de interesse” possam violá-la. Tenta-se gerar os sinais e os incentivos positivos capazes de maximizar a razão técnica em vez de reduzi-la ou mesmo “capturá-la” como aconteceu em 2015 com o Ministro Levy e seguramente ocorrerá com Barbosa, pois o escorpião passou para a costa dele nessa travessia pantanosa de 2016.

Na atual ética de poder que dirige o país, o que resiste é um equilíbrio precário, decrépito. Não há mais sequer “regras do jogo” confiáveis. Demonstração ousada disso são as indexações informais e formais que já laçam alguns contratos públicos e privados. Temos uma memória inflacionária bem dolorosa e recente. O Lulopetismo está brincando com a inércia nos preços. Ninguém mais acredita em ninguém. Um presidente pode perder popularidade, mas não pode perder credibilidade. É urgente levantarmos os olhos. O governo federal está insolvente e ilíquido. A política econômica foi assassinada. 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Amazônia na canoa furada

Decididamente Paris não vale uma Amazônia. Terminada a Conferência de Paris para a Mudança Climática (COP-21) percebe-se que nossos líderes políticos continuam vesgos. Controlar o aquecimento global, assim nos tem sido ensinado, deve ser a “raison d’etre” da geração atual.  A Conferência Paris, “avec élegance”, virou as costas para os verdadeiros e mais urgentes problemas da humanidade.  Um verdadeiro exército de ativistas e líderes políticos do lado de cima do Equador, entre um e outro “coquille Saint-Jacques”, nos ensinam com uma unanimidade nauseante a ordem do dia: cortar as emissões de gases do efeito estufa, e rapidamente!

Somos sempre informados dos “custos da mudança” climática (ver o sítio das Nações Unidas), mas nada se diz quanto aos “custos para evitar” a mudança climática, e o mais importante, a quem deve caber esse ônus. Não faltam advertências de que as regiões mais pobres serão as que mais sofrerão com o aquecimento global. Os desastres naturais se multiplicarão nessas regiões, as doenças tropicais serão exacerbadas, e segue a cantilena. Nos ameaçam, e depois, na hora da conta, nos transferem o “custo da dor”, e de brinde - por tanta tibieza política -, ainda nos legam “os custos da analgesia”, em especial o “ônus total” do financiamento das ações de “mitigação” (aquelas que diminuem o aquecimento global) e de “adaptação” (as que ajudam a nosso ajustamento para um cenário de transição de uma economia marrom para uma economia verde).

Importa aqui distinguir duas situações:

a) O REDD (reduzir as emissões pelo desmatamento e degradação) usado como mecanismo marginal para em ação conjunta com outras medidas governamentais até pode (é bom repisar: marginalmente) contribuir para a inclusão social daqueles que nunca poderão ser resgatados da ameaça climática por absoluta inexistência de fontes de financiamento regional. Nenhum problema aqui, mas que fique claro que isso não merece tanto gasto de papel, dado a sua baixíssima importância econômica para a Amazônia. (Por enquanto ignore-se os REDD+, REDD++, entre outros, que são apenas variações teratogênicas do mesmo embrião); e

b) O REDD como “o modelo amazônico de desenvolvimento” – como tem sido “vendido” para os líderes políticos mais incautos -, é cachaça com tequila na veia: adormece e amortece a indignação de qualquer um, e, intelectualmente, presta-se para fazer o trabalho sujo de acalmar os mais desafortunados pela pobreza, uniformizando em um único modo de produção, todos os “diversos modos de produção” da economia amazônica.  Um sanduíche de prego envelopado em economia de botequim.

As unanimidades preocupam. E muito. Sobretudo quanto envolvem os governantes. Por exemplo, é importante dizer que durante a Rio+20 (junho de 2011) a velha opção pela “vantagem comparativa” também retornou como unanimidade requentada. Insistir na “vantagem” de termos floresta, ou no discurso do “valor da floresta em pé” reúne todos contra a Amazônia e apenas pereniza o atraso. É necessário investir em grande escala no óbvio: saúde, educação e segurança e infraestrutura e capital intelectual - o “pentágono mágico” da elevação da produtividade total. A nossa economia de agronegócios ou de qualquer outra natureza, não sairá do papel sem esse kit básico. E isso também é trabalhar dentro do “regime de adaptação”, com inclusão social!

Ademais, devemos deixar a “mitigação” (combate direto ao aquecimento global) para os ricos. Por mais assustador que seja, a verdade é que estamos torrando “poupança pública nacional e regional” para evitar o desmatamento quando o financiamento do regime de mitigação deveria – de acordo com a Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima - ser feito pelos países mais industrializados. Assim não sobra recurso nacional ou local para o que é mais importante. É preciso sair da mesmice e das Dilmices. O clima não é “a” prioridade mundial, ou nacional, ou ainda local. Isso é balela. Fome, pobreza e desnutrição, mortalidade ainda são a nossa “velha novidade” para os dias de hoje, e que, a cada dia que passa, se reproduzem a passos de lebre nas paragens amazônicas. A solução governamental de gastar com metas de emissões é exclusão social pura e cruel. Dá no que dá!

Nossos governantes precisam fugir do lugar comum, do que é apenas aparentemente mais simples, à La Kyoto. Dois economistas, premiados com o Nobel, Thomas Schelling (em 2005) e Finn Kydland (em 2004) já aderiram ao movimento internacional “Copenhagen Consensus” (www.copenhagenconsensus.com) cujo entendimento é de que o maior flagelo do planeta está na iniquidade, na pobreza e na fome em níveis cruéis. Para isso temos de voltar a crescer distribuindo renda. Nossos governantes também deveriam fortalecer e abraçar esta causa. Duas razões para tanto:

a)  O combustível fóssil ainda é ainda é o único meio de fugir da pobreza para os países em desenvolvimento. O carvão garante metade da energia do mundo. Na China e na Índia, ele provê 80% da geração de energia, e tem ajudado os indianos e chineses a usufruírem um padrão de vida que seus antepassados nunca imaginariam possível. Não existe nenhuma “energia verde”, alcançável e de baixo custo, que em curtíssimo prazo possa substituir o carvão; e

b)  Cortes imediatos de carbono são bastante caros- e aqui, o custo supera substancialmente o benefício. Se o Protocolo de Kyoto tivesse sido implementado, teria havido uma redução insignificante de temperatura de 0,2ºC (ou 0,3ºF) a um custo de U$180 bilhões por ano. Em termos econômicos, Kyoto gera 30 centavos de “benefício” (?) para cada dólar gasto (cf.www.copenhagenconsensus.com).

O REDD é o “top model” da vez, mas é paliativo e se usado com abuso nos transforma em selvagens amestrados. O investimento no “pentágono mágico” (capital intelectual, saúde, educação, infraestrutura e segurança) é a única solução consistente com a necessidade de criação de um modelo alternativo concreto de desenvolvimento para Amazônia.

Gastar poupança pública com o a questão do clima, e não ter recursos para enfrentar a questão social e o aumento da produtividade da economia, é de uma estupidez sem limites!

Temos de pular para fora dessa canoa furada urgentemente ...