segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Barbosa no ovo da serpente

O novo Ministro da Fazenda vai ter de andar num fio descascado ao longo deste 2016 que, ao que tudo indica, promete ser um ano pleno de emoções. Tempo de eleições, de gastos, de propaganda, de marqueteiros, a lista é grande. Com baixa credibilidade para qualificar os seus candidatos, o governo federal receberá uma pressão “adicional” à sua já natural propensão para gastar, com a finalidade de esquentar o pleito, elevando o seu dispêndio, o que, mais uma vez, será justificado “em nome do combate a crise” – que ele mesmo fabricou em 2010-2015, quando lançou mão do expediente de gastar sem autorização orçamentária.

Repete-se com Barbosa, a velha história do escorpião e o sapo: o escorpião mata o sapo quando atravessa a lagoa nas costas dele, mesmo sabendo que se matasse o sapo iria afundar junto com ele, simplesmente porque esta é a única coisa um escorpião sabe fazer: matar. Uma vez escorpião sempre escorpião. Uma vez populista, sempre populista!

A nossa crise é inusitada pela conjugação do mal, onde corrupção sistêmica + incompetência técnica + uso e abuso do viés populista = crise na economia política! Portanto, é necessário focar mais em cima e discutir a “deontologia da política econômica”, isto é, a “economia política”, a visão de mundo e o conjunto de valores que integram a reinante ética do “vou me dar bem” – o mais importante legado do lulopetismo para o povo brasileiro, e qualidade ímpar do grupo político que tomou o poder.

Portanto, é bom não sermos ingênuos: precisamos levantar os olhos um pouco para obter senso de perspectiva. Ao se rediscutir a “deontologia da política econômica”, como tantas defendeu o economista James M. Buchanan, laureado com o Nobel em 1986, é que chegaremos ao ovo da serpente. A palavra “deontologia” – escreveu Buchanan - foi usada na economia pela primeira vez, em 1826, por Jeremy Bentham (filósofo, jurista e economista) no seu livro “Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação”, e depois, postumamente e com mais acuidade, em “Deontologia, ou a Ciência da Moral” (1934), em 2 vols. Para Bentham, a deontologia era uma “ética normativa, para a vida prática”. A economia e o direito deveriam se preocupar inicialmente com as “regras do jogo” (instituições) que emolduravam a economia no dia a dia de cada pessoa. Se “as regras do jogo” albergassem a preocupação como o “dever”, com o “justo”, com o “conhecimento do que é certo e próprio”, a economia e o direito conduziriam a um bem-estar superior. A melhor garantia para tanto seria o trabalho na hora de criar as instituições, que é exatamente o momento onde os incentivos de recompensa e de sanção são inscritos. As instituições oferecem e garantem a estrutura de incentivos que dará credibilidade e previsibilidade à política econômica.

Estes ensinamentos permaneceram praticamente ignorados pelos economistas até que James M. Buchanan desse início ao estudo da “economia constitucional” (ou “Nova Economia Política”) nos anos sessenta. A palavra “constitucional”, alertava então o ilustre economista, referia-se “às regras do jogo” ou “instituições” que, escritas ou não, condicionariam e conduziriam a operacionalidade da política econômica. A deontologia da economia política garantiria o ótimo duradouro da política econômica.

Podemos assim estabelecer os dois níveis de análise e de ação fundamentais da Economia Constitucional: a) primeiro nível: a economia política; b) segundo nível: a política econômica. A interação permanente ao longo do tempo entre estes dois níveis é que qualificará o resultado. Uma boa economia política – necessariamente alicerçada na deontologia - gera regras do jogo saudáveis. Estas são aquelas que limitam o poder discricionário dos governantes, que “despersonalizam a política econômica”, e que “fiscalizam, controlam e monitoram a gestão pública antes, durante e depois do exercício do mandato do governante”. Elas reduzem a incerteza, minimizam a insegurança jurídica e ampliam o horizonte de planejamento, sem o que o espírito anímico (o “animal spirits” de Keynes) dos empreendedores não pode deslanchar. Se as regras forem boas, a política econômica pode até prosperar (note-se: não existe garantia absoluta para a prosperidade). Se estas forem más, não cooperativas, personalistas, idiossincráticas e indutoras de conflitos insolúveis, muito pouco pode ser feito e a política econômica tende ao fracasso (note-se mais uma vez: existe garantia absoluta para o erro). Assim entendido – e de forma concreta para o Brasil de hoje - a conclusão soa bem natural: se por acaso houver algum acerto no combate a estagflação, neste ambiente de decomposição institucional que avança para dentro dos próximos anos, este sempre será transitório, efêmero. Alguém duvida que o poder incumbente cuidará de “fazer o diabo” (sic) mais uma vez?

É imperativo que Buchanan e a sua “economia constitucional” sejam revisitados por todos nós economistas brasileiros, pois todo o seu trabalho ao longo da vida foi mostrar a importância “de se levantar os olhos para as regras do jogo” e insistir no fato de que normalmente os economistas não se preocupam em participar da elaboração das “regras do jogo”. Para a maioria dos economistas esse trabalho “é um dado” e deve ser deixado para os advogados e políticos.

Não se trata de desmerecer a razão técnica - que é substancialmente tão importante quanto a deontologia (a boa economia política). É exatamente o contrário: pretende-se fortalecê-la, protegê-la dos desvios de condutas pessoais e do personalismo. Fortalecê-la para não permitir que “grupos de interesse” possam violá-la. Tenta-se gerar os sinais e os incentivos positivos capazes de maximizar a razão técnica em vez de reduzi-la ou mesmo “capturá-la” como aconteceu em 2015 com o Ministro Levy e seguramente ocorrerá com Barbosa, pois o escorpião passou para a costa dele nessa travessia pantanosa de 2016.

Na atual ética de poder que dirige o país, o que resiste é um equilíbrio precário, decrépito. Não há mais sequer “regras do jogo” confiáveis. Demonstração ousada disso são as indexações informais e formais que já laçam alguns contratos públicos e privados. Temos uma memória inflacionária bem dolorosa e recente. O Lulopetismo está brincando com a inércia nos preços. Ninguém mais acredita em ninguém. Um presidente pode perder popularidade, mas não pode perder credibilidade. É urgente levantarmos os olhos. O governo federal está insolvente e ilíquido. A política econômica foi assassinada. 

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