sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Amazônia na canoa furada

Decididamente Paris não vale uma Amazônia. Terminada a Conferência de Paris para a Mudança Climática (COP-21) percebe-se que nossos líderes políticos continuam vesgos. Controlar o aquecimento global, assim nos tem sido ensinado, deve ser a “raison d’etre” da geração atual.  A Conferência Paris, “avec élegance”, virou as costas para os verdadeiros e mais urgentes problemas da humanidade.  Um verdadeiro exército de ativistas e líderes políticos do lado de cima do Equador, entre um e outro “coquille Saint-Jacques”, nos ensinam com uma unanimidade nauseante a ordem do dia: cortar as emissões de gases do efeito estufa, e rapidamente!

Somos sempre informados dos “custos da mudança” climática (ver o sítio das Nações Unidas), mas nada se diz quanto aos “custos para evitar” a mudança climática, e o mais importante, a quem deve caber esse ônus. Não faltam advertências de que as regiões mais pobres serão as que mais sofrerão com o aquecimento global. Os desastres naturais se multiplicarão nessas regiões, as doenças tropicais serão exacerbadas, e segue a cantilena. Nos ameaçam, e depois, na hora da conta, nos transferem o “custo da dor”, e de brinde - por tanta tibieza política -, ainda nos legam “os custos da analgesia”, em especial o “ônus total” do financiamento das ações de “mitigação” (aquelas que diminuem o aquecimento global) e de “adaptação” (as que ajudam a nosso ajustamento para um cenário de transição de uma economia marrom para uma economia verde).

Importa aqui distinguir duas situações:

a) O REDD (reduzir as emissões pelo desmatamento e degradação) usado como mecanismo marginal para em ação conjunta com outras medidas governamentais até pode (é bom repisar: marginalmente) contribuir para a inclusão social daqueles que nunca poderão ser resgatados da ameaça climática por absoluta inexistência de fontes de financiamento regional. Nenhum problema aqui, mas que fique claro que isso não merece tanto gasto de papel, dado a sua baixíssima importância econômica para a Amazônia. (Por enquanto ignore-se os REDD+, REDD++, entre outros, que são apenas variações teratogênicas do mesmo embrião); e

b) O REDD como “o modelo amazônico de desenvolvimento” – como tem sido “vendido” para os líderes políticos mais incautos -, é cachaça com tequila na veia: adormece e amortece a indignação de qualquer um, e, intelectualmente, presta-se para fazer o trabalho sujo de acalmar os mais desafortunados pela pobreza, uniformizando em um único modo de produção, todos os “diversos modos de produção” da economia amazônica.  Um sanduíche de prego envelopado em economia de botequim.

As unanimidades preocupam. E muito. Sobretudo quanto envolvem os governantes. Por exemplo, é importante dizer que durante a Rio+20 (junho de 2011) a velha opção pela “vantagem comparativa” também retornou como unanimidade requentada. Insistir na “vantagem” de termos floresta, ou no discurso do “valor da floresta em pé” reúne todos contra a Amazônia e apenas pereniza o atraso. É necessário investir em grande escala no óbvio: saúde, educação e segurança e infraestrutura e capital intelectual - o “pentágono mágico” da elevação da produtividade total. A nossa economia de agronegócios ou de qualquer outra natureza, não sairá do papel sem esse kit básico. E isso também é trabalhar dentro do “regime de adaptação”, com inclusão social!

Ademais, devemos deixar a “mitigação” (combate direto ao aquecimento global) para os ricos. Por mais assustador que seja, a verdade é que estamos torrando “poupança pública nacional e regional” para evitar o desmatamento quando o financiamento do regime de mitigação deveria – de acordo com a Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudança do Clima - ser feito pelos países mais industrializados. Assim não sobra recurso nacional ou local para o que é mais importante. É preciso sair da mesmice e das Dilmices. O clima não é “a” prioridade mundial, ou nacional, ou ainda local. Isso é balela. Fome, pobreza e desnutrição, mortalidade ainda são a nossa “velha novidade” para os dias de hoje, e que, a cada dia que passa, se reproduzem a passos de lebre nas paragens amazônicas. A solução governamental de gastar com metas de emissões é exclusão social pura e cruel. Dá no que dá!

Nossos governantes precisam fugir do lugar comum, do que é apenas aparentemente mais simples, à La Kyoto. Dois economistas, premiados com o Nobel, Thomas Schelling (em 2005) e Finn Kydland (em 2004) já aderiram ao movimento internacional “Copenhagen Consensus” (www.copenhagenconsensus.com) cujo entendimento é de que o maior flagelo do planeta está na iniquidade, na pobreza e na fome em níveis cruéis. Para isso temos de voltar a crescer distribuindo renda. Nossos governantes também deveriam fortalecer e abraçar esta causa. Duas razões para tanto:

a)  O combustível fóssil ainda é ainda é o único meio de fugir da pobreza para os países em desenvolvimento. O carvão garante metade da energia do mundo. Na China e na Índia, ele provê 80% da geração de energia, e tem ajudado os indianos e chineses a usufruírem um padrão de vida que seus antepassados nunca imaginariam possível. Não existe nenhuma “energia verde”, alcançável e de baixo custo, que em curtíssimo prazo possa substituir o carvão; e

b)  Cortes imediatos de carbono são bastante caros- e aqui, o custo supera substancialmente o benefício. Se o Protocolo de Kyoto tivesse sido implementado, teria havido uma redução insignificante de temperatura de 0,2ºC (ou 0,3ºF) a um custo de U$180 bilhões por ano. Em termos econômicos, Kyoto gera 30 centavos de “benefício” (?) para cada dólar gasto (cf.www.copenhagenconsensus.com).

O REDD é o “top model” da vez, mas é paliativo e se usado com abuso nos transforma em selvagens amestrados. O investimento no “pentágono mágico” (capital intelectual, saúde, educação, infraestrutura e segurança) é a única solução consistente com a necessidade de criação de um modelo alternativo concreto de desenvolvimento para Amazônia.

Gastar poupança pública com o a questão do clima, e não ter recursos para enfrentar a questão social e o aumento da produtividade da economia, é de uma estupidez sem limites!

Temos de pular para fora dessa canoa furada urgentemente ...

 

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